O desafio de conhecer e utilizar de forma sustentável os
recursos naturais demanda o acesso dinâmico e aberto a dados digitais de
diferentes áreas do conhecimento, ferramentas de análise e capacidade
computacional crescente em um ambiente colaborativo e cooperativo. A era da
ciência intensiva em dados é uma realidade e o seu sucesso depende da consolidação
de e-infraestruturas como bens públicos.
O CRIA é uma associação civil sem fins lucrativos que tem
por objetivo disseminar o conhecimento científico e promover a educação visando
a conservação e utilização sustentável dos recursos naturais e a formação da
cidadania. Tem como ação referencial oferecer apoio à comunidade científica na
organização, estruturação e disseminação de dados e informações de forma livre
e aberta. Desde julho de 2002 é qualificada pelo Ministério da Justiça como uma
Organização da Sociedade Civil de Interesse público – OSCIP.
Em 2001, como parte do programa Biota/Fapesp o CRIA iniciou
o desenvolvimento da rede speciesLink, como uma
e-infraestrutura pública de dados, informações e ferramentas de livre acesso a serviço
da pesquisa, educação e políticas públicas. Antes restrito às coleções
biológicas do Estado de São Paulo, a partir de 2004 a rede foi ampliada para
integrar acervos de outros estados e, a partir de 2006, dados sobre espécimes
coletados no Brasil, mantidos em coleções do exterior. A figura a seguir mostra
a rede em 2003, restrita a coleções do estado de São Paulo, e em 2015, com pontos
de presença em todos os estados da União.
Distribuição geográfica dos provedores de dados da rede speciesLink
nos anos de 2003 e 2015
O grande salto no desenvolvimento da rede speciesLink
nos últimos 6 anos é resultante do apoio do CNPq ao Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia – Herbário Virtual da Flora e dos Fungos (INCT-HVFF). O
INCT-HVFF hoje é responsável por mais de 70% dos dados disponibilizados na rede
speciesLink.
Os demais dados são procedentes de coleções zoológicas (24,4%), microbiológicas
(0,2%), fósseis (0,1%) e dados de observação de plantas e animais (4%).
Evolução do compartilhamento on-line de dados
sobre a ocorrência de espécies
Desenvolvimentos realizados no escopo do INCT-HVFF
e-Taxonomia
Um importante avanço do Herbário Virtual foi o
desenvolvimento do serviço de imagens (exsiccatae)
que permite a inclusão de imagens das exsicatas dos registros on-line. O serviço é uma importante
ferramenta para a comparação e identificação de material à distância.
Ferramenta
Exsiccatae
Com a meta inicial de disponibilizar 50 mil imagens, a
ferramenta exsiccatae hoje integra
quase 1 milhão de imagens, 600 mil de exsicatas, 11 mil de material vivo, 2 mil
de pólen, 300 mil imagens de etiquetas de amostras, e todas as imagens da obra Flora Brasiliensis[1]
com 3.828 pranchas e 10.215 páginas com a descrição de 22.550 espécies.
Modelagem da distribuição geográfica de espécies (BioGeo[2])
O sistema permite a geração e compartilhamento de modelos da
distribuição geográfica potencial de espécies sob a supervisão de especialistas
voluntários.
Modelagem da distribuição geográfica da espécie Passiflora
actinia
O sistema conta com 117 especialistas cadastrados, responsáveis
pela publicação de modelos de
distribuição geográfica para 3.465 espécies. O grupo das Angiospermas possui
3.765 modelos – algumas espécies possuem mais de um modelo. Assim, já existem
modelos de distribuição potencial para cerca de 10% das Angiospermas que
ocorrem no Brasil.
Identificação de lacunas de dados e conhecimento
O sistema Lacunas[3] indica o status dos dados de todas as
espécies da Lista da Flora e dos Fungos do Brasil. Apresenta a relação das
espécies sem registros no Herbário Virtual, auxiliando o Comitê Gestor do
INCT-HVFF na definição de estratégias para incluir novos acervos e dados à rede.
Em janeiro de 2013 o sistema Lacunas
indicou que 21% das espécies conhecidas de briófitas, 64% dos fungos e 10% das samambaias e licófitas não tinham nenhum registro no Herbário Virtual. O Comitê
Gestor do INCT-HVFF definiu estratégias para diminuir essa lacuna como a
contratação de bolsistas para a digitação de dados de acervos desses grupos, a
inclusão de novos acervos à rede e a visita de especialistas a herbários com
material não identificado. O resultado foi a queda do número de espécies sem
registros no herbário virtual para 12% (briófitas), 41% (fungos) e 5%
(samambaias e licófitas) em janeiro de 2015.
O sistema também aponta as lacunas geográficas por gênero e
espécie, e indica quais espécies estão ameaçadas de extinção. Por fim, integra ao
relatório as fichas de análise e avaliação de risco de extinção através do
serviço web disponibilizado pelo CNCFlora (Centro Nacional de Conservação da
Flora), os dados da Lista de Espécies da Flora do Brasil e os modelos de
distribuição geográfica disponibilizados pelo BioGeo.
Página do relatório Lacunas para a espécie Adenocalymma dichilum
Uso e Reuso dos Dados e Ferramentas
Em 2014, o número médio de registros visualizados na rede speciesLink
(plotados em mapas, gráficos, listados, downloads)
foi de 1,4 milhão por dia. Mais de 95% dos acessos à rede foram realizados por
usuários do Brasil, seguido pelos dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha,
Argentina, Portugal, Itália, México, Holanda e Colômbia. Como o objetivo da
e-infraestrutura é promover a e-ciência e apoiar a formulação de políticas
públicas e processos de tomada de decisão no Brasil, esse resultado é muito importante
e indica que a e-infraestrutura está atingindo uma de suas principais metas que
é a apropriação local dos dados e conhecimento.
Acesso à rede speciesLink (2014)
A avaliação dos acessos no país indica as cidades do Rio de
Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Campinas, Brasília, Curitiba, Porto
Alegre e Salvador como as que mais utilizam a e-infraestrutura. Isso coincide
com os grandes centros de pesquisa e ensino superior do país, as redes
metropolitanas instaladas pela RNP e a existência das coleções biológicas
participantes da rede.
Impacto
No Desenvolvimento Científico
95% dos herbários do INCT-HVFF, estão associados a programas
de pós-graduação e incluíram temas como o uso dos dados e ferramentas da rede speciesLink nas disciplinas oferecidas. Como
consequência dessa ação, acervos foram ampliados graças ao depósito de material
associado à pesquisa de pós-graduação. Outro resultado foi a crescente
participação de alunos no sistema BioGeo,
aumentando o número de modelos de distribuição geográfica de espécies compartilhados
on-line. Graças a essa interação, hoje
cerca de 10% das espécies de Angiospermas do país citadas na Lista de Espécies
da Flora do Brasil possuem modelos de distribuição geográfica on-line.
Em relação à produção científica, outro indicador importante é a evolução do número e da qualidade das publicações. A figura a seguir mostra um nítido aumento da quantidade de publicações de maior impacto na comparação entre os períodos de 2007 a 2009 e 2010 a 2012.
Número de publicações por tipo de publicação
Nas Coleções Biológicas
Em abril de 2015, como parte da avaliação do projeto do
INCT-HVFF, foi enviado um questionário que foi respondido por 39 dos 100
herbários da rede. Além das questões mais objetivas em relação aos itens que
receberam apoio direto como digitação dos dados, digitalização das imagens e
melhora da qualidade dos dados, buscou-se saber se o fato de participar da rede
e compartilhar os dados on-line trouxe
outros benefícios.
- 82% indicaram um maior reconhecimento institucional;
- 72% indicaram um maior envolvimento com a pós-graduação;
- 85% indicaram um aumento nas visitas ao herbário; e,
- 74% indicaram um aumento do acervo pelo maior envolvimento com alunos da pós-graduação e através da permuta de material, graças à visibilidade do acervo on-line.
Em Políticas Públicas
Indicadores importantes em termos de políticas públicas relacionados à evolução da
e-infraestrutura de dados são representados na figura a seguir e incluem:
- Preparação e apresentação do trabalho “Diretrizes e estratégias para a modernização de coleções biológicas brasileiras e a consolidação de sistemas integrados de informação sobre biodiversidade” (MCT, 2006), mais conhecido como Livro Laranja, que foi base para o desenvolvimento do INCT-HVFF;
- Programa PROTAX, fundamental para a formação de novos taxonomistas;
- Flora Brasiliensis on-line, importante referência para estudos taxonômicos;
- Aprovação do projeto INCT-HVFF;
- Desenvolvimento da Lista de Espécies da Flora do Brasil como um trabalho em rede e on-line; e,
- Portaria No. 443/14 do MMA sobre espécies
ameaçadas de extinção do país, que utilizou os dados da rede speciesLink no processo de avaliação.
Evolução dos dados compartilhados na rede speciesLink e alguns marcos históricos
A e-infraestrutura como referência para os especialistas
responsáveis pela elaboração da Lista de
Espécies da Flora do Brasil e para o Projeto
Lista Vermelha que avaliou o risco de extinção de espécies da flora
brasileira mostra também a sua importância para políticas públicas.
Assim, a e-infraestrutura speciesLink
é resultante das estratégias e políticas desenvolvidas ao longo dos últimos 14
anos e da articulação da comunidade científica (principalmente botânica) do
país. A rede social desenvolvida, atuando de forma integrada, é o principal fator
de sucesso, sendo diretamente responsável pelos excelentes resultados alcançados.
Egler, I., Santos, M.M. & Canhos, V.P.. (Org.). Diretrizes e estratégicas para a modernização de coleções biológicas brasileiras e a consolidação de sistemas integrados de informação sobre biodiversidade. 1aed.Brasília, DF: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006
Referências
Egler, I., Santos, M.M. & Canhos, V.P.. (Org.). Diretrizes e estratégicas para a modernização de coleções biológicas brasileiras e a consolidação de sistemas integrados de informação sobre biodiversidade. 1aed.Brasília, DF: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006