Em busca das paisagens amazônicas vistas pelos naturalistas
Ao final do Congresso, a 3 de Novembro de 2023, movidos pelo desejo de ver as paisagens amazônicas vividas pelos naturalistas Martius e Spix, decidimos seguir viagem para a ilha de Cotijuba. Saímos em comitiva, com outros três colegas botânicos de variadas partes do Brasil: Eduardo Fernandez, Thuane Bochorny e Eduardo Amorim. Pegamos um barco no Terminal de Icoaraci, que fica a aproximadamente 20 quilômetros do centro de Belém. Foram levantadas âncoras em pleno sol de meio-dia, o rio estava tranquilo e navegamos por quarenta minutos ao som de Calypso, banda de origem paraense, com estilo musical afro-caribenho.
A Ilha de Cotijuba é uma das 42 ilhas que compõem a cidade de Belém, no Pará. É uma área de preservação ambiental e a terceira maior ilha da região. Cerca de 8 mil pessoas moram na ilha. São aproximadamente 60 km² e uma extensão de 20 quilômetros de praias quase intocadas. Há mais de 10 praias espalhadas pela costa da ilha, todas de água doce e quente. É um lugar de muita simplicidade, onde não existem grandes hotéis e pousadas luxuosas. As construções são básicas e preservam o estilo bucólico da ilha. Decidimos seguir para a “Praia Do Vai-Quem-Quer”, que é a mais famosa e procurada da ilha. Ela fica a um pouco mais de 6 quilômetros de onde chegam os barcos, então é preciso ir com algum transporte até lá. Não fomos de charrete, como provavelmente viajavam os naturalistas antigamente, mas escolhemos um meio de transporte pouco convencional, conhecido localmente como motorrete, para nos levar até a hospedagem. Percorremos diversas paisagens paradisíacas, que nos faziam lembrar as pranchas Amazônicas litografadas na obra Flora Brasiliensis. Andamos a cavalo e nos sentimos revisitando locais mágicos registrados pelos naturalistas.
Em um dado local, próximo a um igarapé, visualizamos um cenário muito parecido à prancha de abertura do primeiro volume da obra. Essa prancha ilustra uma mata de igapó às margens do rio Amazonas, nas proximidades da cidade de Santarém, no Pará. Inundadas durante até 10 meses no ano, essas matas abrigam uma amostra valiosa da biodiversidade amazônica. Ali, na Ilha de Cotijuba, estavam elementos típicos da Amazônia registrada por Martius. Ao fundo, sobressaindo-se às copas das outras árvores, vimos algumas graciosas palmeiras de “açaí” (Euterpe oleracea), espécie descrita primeiramente por Martius. No primeiro plano, ao lado esquerdo, figurava uma das flores mais exuberantes da região: a “munguba” (Pachira aquatica), também conhecida como “castanheira-da-água” ou “mamorana”. Mais a fundo, e menos visíveis aos viajantes menos atentos, cacaueiros (Theobroma cacao) adentravam a vegetação. A título de comparação, apresentamos uma fotografia retirada por um Samsung Galaxy A34 em 2023 e a Prancha 1 da Flora Brasiliensis, publicado em 1906.
O RETORNO E AS TEMPESTADES
A viagem de retorno estava agendada para o dia 4 de Novembro. Contudo, empecilhos supervenientes nos obrigaram a adiar o retorno a Belém. O primeiro dia estava ensolarado, com poucas nuvens por cima do variegado tapete da vegetação do igarapé. Nos diziam os moradores, entretanto, que a região é sujeita a violentas trovoadas. Como quase todas as colônias na região amazônica, situadas nas proximidades dos grandes rios, são sujeitas de maneira semelhante a tempestades, é lícito considerar como causa geral desse fenômeno o encontro de correntes de ar de diferentes regiões do mundo. A tarde anterior, portanto, após um dia ensolarado, havia sido assinalada por violenta tempestade e agora, no dia da partida, mas um pouco mais cedo que o dia prévio, também o céu se nublava de repente. Forte vento de oeste cavava a praia, e obrigava-nos a seguir esperando na nossa hospedagem. Outra tempestade se aproximava. Tivemos que pernoitar mais um dia nesse lugar, e apesar de termos perdido o vôo de volta pra casa, ficamos satisfeitos de acordar mais um dia no meio da floresta.
Na manhã seguinte, com os nossos votos, saudades e esperanças, abandonamo-nos à segurança do bem construído barco e nos entregamos a todas as impressões magníficas com que uma viagem em rios amazônicos pode enriquecer a alma e o espírito. Chegamos a Belém e logo em seguida adquirimos novos vôos que nos levariam novamente para as nossas casas. Lá de cima do avião, pensávamos como seria antigamente: a mata virgem revestia outrora toda a região; atualmente, porém, já havia sido desbastada em grandes trechos. Quais histórias nos restariam para contar?
Esperamos que esses relatos sirvam de inspiração para curiosos e animados viajantes e naturalistas, que desejam conhecer, preservar e contar histórias sobre a Floresta Amazônica e os demais biomas brasileiros.
Saudações,
Luiza de Paula e Fernando de Matos
Agradecimentos: Agradecemos aos companheiros de viagem,
Eduardo Fernandez, Thuane Bochorny e Eduardo Amorim, pelas revisões e sugestões no texto.